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  • Foto do escritorThais Paiva

Corra! ou Confie...



Eu olhei o celular e era 22h43. Finalmente a aula estava para acabar e eu poderia ir para casa descansar. O complicado de estudar a noite é a volta. Ter que andar pela cidade quando está tudo escuro e todos estão em suas casas terminando a novela. Pegar ônibus reparando em cada movimento a volta, todo tempo abraçado a sua mochila e ainda com o celular guardado em algum lugar secreto. São cerca de 40 minutos até o ponto perto de casa. Quando eu desço, confesso que dou uma respirada. Uma montanha já foi escalada, falta só mais uma e estou em casa. São apenas cinco quarteirões.

Preciso atravessar a avenida e as ruas mais escuras, não é nem um pouco mais seguro que o ônibus. Estava ouvindo “Daniel na cova dos leões”, cantando com força e me mantendo alerta. Eu conheço a história bíblica, mas a música é uma real poesia que até hoje tento decifrar. O gosto amargo que fica doce? Teu momento que passa ser o meu instante? Salva-vidas não está lá porque não vemos?


-Ei, ei.

"Ah não. Não. Não."

-Ei, por favor.

"Tem realmente alguém me chamando? A pessoa pediu por favor. O que faço? Paro? Posso pelo menos olhar né." Quando virei para olhar do outro lado da rua, tinha um homem magro, de mais ou menos 1.70m de altura balançando um braço de um lado para o outro. Porém estava escuro, eu não conseguia olhar para o rosto do homem ou os arredores.

-Sim? - gritei para ele, mas continuei dando passinhos para mostrar que não estava a fim de parar.

-Por favor, eu preciso de ajuda.


Foi então que ele começou a vir na minha direção devagar, mas inconscientemente, eu corri. Todo mundo sabe: pra lá das 23h no meio de uma rua deserta e escura, se alguém vem correndo( nem que seja andando rápido) na sua direção, você corre! Não conseguia pensar em mais nada além de que algo ruim iria acontecer. Eu já estava pensando em tudo pra me defender. Voadora? Socos? Gritos? Invadir uma casa?


-Moça, espera! Juro, por Deus, que sou bom. Só preciso de uma ajuda com meu carro.


Aí ele pegou na ferida. Quando falamos em Deus, Jesus, devemos sempre ajudar os outros, acreditar no melhor e nos render a bondade e caridade. Mas a realidade de hoje não me permite isso, fui criada numa sociedade que ensina a ver o pior lado e ter medo de todas as ações suspeitas. É culpa de quem? Jesus é ingênuo ou nós somos paranoicos? A reflexão passou rápido, mas deixou sua marca.


-Ta moço. Me conta daí de longe o que aconteceu pra eu ver se consigo ajudar primeiro.


Eu prometo que falei isso da maneira mais gentil que pude, mas a mensagem que meu corpo passava era outra, eu tava parecendo gato arredio preparado pro ataque. O homem levantou os braços, como se fosse inocente, e falou comigo com a cabeça baixa me olhando de baixo.


-Eu juro que só preciso de uma mãozinha. A bateria do carro tá zuada, já aconteceu essa semana, eu preciso trocar. Só preciso que me ajude a empurrar, minha mulher tá sentada no banco do motorista, é só que eu sou meio fraco.


Realmente ele era bem magrinho. Então eu reparei no carro melhor e tinha mesmo uma mulher sentada com o vidro abaixado e um braço pra fora. Talvez a história fosse verdade, talvez fosse a mulher dele, talvez ele precisasse de mim. Baseei-me nestes "talvezs" e fui ajudar o moço rezando um “Pai Nosso” junto na minha cabeça. Interessante como não somos religiosos até esses momentos né? Seguimos o protocolo comum de empurrar o carro até ele "pegar". Uma hora funcionou, ele correu pra dentro do carro, gritou um "obrigado" fechando a porta e saiu.


Eu me vi sozinha na rua e voltei a caminhar para casa. Eu não sei porque ele pediu ajuda para mim, eu claramente não tenho porte físico para ser uma pessoa atlética e forte, mas talvez eu fui a única que parou para eles, talvez eu precisasse desse teste de bondade para voltar a acreditar na humanidade, mais importante, voltar a trabalhar pela humanidade. Nós, como seres humanos, estamos cada vez mais nos afastando das pessoas. Imaginem como seria a noite do homem se ninguém tivesse parado. Nós construímos uma sociedade baseada em ter medo do golpe do outro, do puxão de tapete do outro, de ser magoado pelo outro. Quando deveríamos estar tentando colocar um sofá pro outro sentar junto conosco e florescer sentimentos nos outros.


Como já disse, não sei qual parte da história era real ou não, mas eu tirei minha lição dessa noite e vou dormir em paz com minhas reflexões: Inteligente era Daniel.


 

Thais Paiva

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